A história de Jó, relatada no Livro de Jó na Bíblia Sagrada é provavelmente uma das mais antigas de todas, dramática teológica. Segundo pesquisadores e críticos da Bíblia, determinam cronologicamente que o livro é um dos relatos mais antigos, paralelo ao tempo dos patriarcas hebreus.
Neste artigo, venho tentar responder algumas questões relacionadas a origem da história de Jó e seus personagens, sua localização e seu contexto, pois muito já se tem escrito a respeito de seu conteúdo teológico, a luta entre o mal e o bem, a provação, o sofrimento e a redenção do personagem bíblico central.
Crítica Bíblica Precoce
Em termos de estilo literário, o livro de Jó parece estar bem relacionado com os relatos dos patriarcas, ou seja, o período da era de bronze, a mais de 3500 anos atrás.
O fato é que a história de Jó se assemelha muito a outros contos orientais sumérios, e tudo indica que o relato é um drama tipológico, onde um homem justo é assolado pelo mal, e questiona a Deus o porque coisas más ocorrem em sua vida.
O texto se assemelha aos cânticos do gênero literário “o ancião sofredor”, que remonta ao período sumério, onde o orador afirma nos cânticos que ele foi fiel a Deus e suas leis, mas Deus o puniu sem qualquer razão ou justificativa.
No cântico de oração sumério, está escrito que “suplicar a Deus seja o que for”, o adorador afirma que Deus infligiu uma punição pesada sobre ele e ele não entende por quê: Ele pede ajuda aos amigos, mas a ajuda não chega:
“Vou pedir – ninguém vai segurar minha mão, vou chorar – ninguém vai ficar à minha direita, vou lamentar – ninguém me ouve… meus olhos estão escuros.”
O adorador pede a Deus que o deixe porque os humanos não entendem nada: “Seres humanos tolos, nada sabem. Humanos, todos chamados pelo nome – o que eles sabem? Se eles fazem o mal, se eles fazem o bem – eles não sabem de nada.” Ele pede a Deus que perdoe os seus pecados, mesmo que ele não sabia nem mesmo o que ele pecou:
“Que meus pecados sejam perdoados e eu glorificarei a sua glória, que seu coração fique em silêncio por mim, como o coração da minha mãe nasceu.”
Crítica Bíblica Avançada
Na crítica avançada, existem pesquisadores que relacionam o livro de Jó com a filosofia do Zoroastrismo, principalmente por causa do relato do diálogo entre Deus e Satanás no primeiro capítulo do livro.
Mas se isso fosse realmente verdade, que o livro foi obra da influência do Zoroastrismo persa, na dualidade, não haveria uma diferença tão grande entre o Deus Eterno e Satanás. Pois no livro de Jó, Satanás e todos os outros estão subordinados a Deus. Para o Zoroastrismo, o mal e o bem dominam igualmente a vida das pessoas. Enquanto que no judaísmo e no cristianismo, o Deus Eterno está muito mais acima de qualquer entidade espiritual e física.
Outro problema desta interpretação é que o Zoroastrismo não é em sua base monoteísta, portanto seu pensamento é incompatível com as bases teológicas e filosóficas descritas no Livro de Jó.
A época e a localização da história no Livro de Jó pela Bíblia
Como costumo dizer, a Bíblia é um livro singular, e ele deve ser o instrumento para, através de um contexto geral, nos explicar os textos que estão aparentemente obscuros. É importante salientar que tanto a linguagem do livro quanto os nomes dos personagens nos dão boas dicas do tempo e da localização.
Os nomes dos amigos de Jó são nomes de Hebreus, ou pelo menos de pessoa semíticas bem próximas a linguagem dos Hebreus, ou seja, de alguma forma estão relacionados ao Povo de Israel. O nome de um deles é Elifaz, e do outro, Zofar(Tzofar em Hebraico), e ambos os nomes aparecem na Bíblia. E até mesmo o nome Bildade, está relacionado com a história e o tempo, por os três são formas semelhantes aos nomes de reis do Reino de Edom, que aparecem no Livro de Gênesis.
Gen. 36:11 E os filhos de Elifaz foram: Temã, Omar, Zefô, Gatã e Quenaz.
Jó 2:11 Ouvindo, pois, três amigos de Jó todo esse mal que lhe havia sucedido, vieram, cada um do seu lugar: Elifaz o temanita
Veja como é interessante que em Genesis, o filho de Elifaz é Temã, e em Jó diz que Elifaz é de Temã, ou seja, Temanita. A expressão Temã ou Teiman, em Hebraico é um sinônimo para duas coisas, a região do Yemen, ou seja, o extremo sul da região, mais ao sul que o Deserto do Negev, e não necessariamente a origem de uma família. Portanto, não há conflito entre os textos mas sim complemento. Ou seja, Elifaz o primogênito dos filhos de Edom, conhecido também como Esaú, que habitou na região oriental do vale do Jordão, em direção a arábia.
Além disso, comparemos os textos a seguir:
Jó 2:11 Ouvindo, pois, três amigos de Jó todo esse mal que lhe havia sucedido, vieram, cada um do seu lugar: Elifaz o temanita, Bildade o suíta e Zofar o naamatita; pois tinham combinado para virem condoer- se dele e consolá-lo.
Gen. 36:11 E os filhos de Elifaz foram: Temã, Omar, Zefô, Gatã e Quenaz.
O nome Zefô aparece na Septuaginta, uma tradução grega primitiva do VT feita em Alexandria pelos sábios judeus cerca de 300 nos AC, como Tzofar ou Zofar, exatamente como o nome do segundo amigo de Jó, e como irmã de Elifaz. Agora está mais claro ainda de que ambos se tratam da mesma pessoa e da mesma região, ambos são filhos de Esaú, Edom.
Gen. 36:35 Morreu Husão; e em seu lugar reinou Hadade, filho de Bedade, que feriu a Midiã no campo de Moabe; e o nome da sua cidade era Avite.
O Bildade o suíta em Hebraico está HaShuhi, ou seja, de Suá ou Suíta.
Gen. 25:2 Ela lhe deu à luz a Zinrã, Jocsã, Medã, Midiã, Isbaque e Suá.
Portanto Bildade seria da família de Suá, um dos descendentes de Abraão, do casamento com Quetura, sua última esposa. Portanto, isto esclarece a origem dos nomes semíticos em Hebraico, visto que todos eles eram Hebreus mas não israelitas.
Esclarecendo estes pontos, podemos compreender que a História de Jó ocorreu em algum momento no final do período dos patriarcas, e foi passada para os israelitas que preservaram-na na tradição oral. A complexidade do diálogo e das questões teológicas e filosóficas nos fazem associar o texto a mesma forma de descrição que podemos encontrar nos Livros de Moisés como Gênesis, Êxodo e até mesmo Deuteronômio.
Outro fato que confirma todas estas conclusões é a descrição geográfica da localização da fera chamada Beemot, veja o versículo a seguir:
Jó 40:15 Contempla agora o Behemot, que eu criei como a ti, que come a erva como o boi.
Ou seja, localizando-nos próximo ao vale do Jordão. Além disso, baseado em todos estes relatos, creio que se os livros da Bíblia fossem re-organizados de acordo com a cronologia dos relatos, eu não hesitaria e colocá-lo como o segundo livro, ou seja, logo após o Livro de Gênesis, pois foi provavelmente neste período, dos patriarcas que esta história aconteceu.
O Caráter de Jó e o seu Comportamento
A história de Jós é simplesmente arrebatadora em seu diálogo com seus amigos, o diálogo com o Altíssimo, revelam boa parte de seu caráter, mesmo a despeito do comportamento aceitável em todos os momentos da vida de um homem são, ele agiu diferente de todos.
O fato é que ao questionar a justiça de Deus, Jó parece ter questionado não somente isso, mas também a sua própria justiça. Quando acusamos alguém, normalmente nos baseamos em nossas falhas e não de nosso próximo. Somente uma auto análise levaria Jó a entender os reais propósitos divinos em sua vida. Mas no caso de Jó, uma análise objetiva e real só seria possível após ele ter acusado inutilmente seus companheiros e o Deus Eterno.
As questões levantadas por Jó são questões existenciais, sobre a justiça, o equilíbrio, o sustento de todas as coisas, a criação, a profundidade, a largura, a extensão e a sabedoria, pela qual o universo existe. Tudo isso torna o Livro de Jó, talvez o livro mais filosófico da Bíblia Hebraica.
Mesmo estando Jó cheio de chagas, ele não se privou de estar a frente de homens saudáveis, bem vestidos, e se expor. Da mesma forma, mesmo sendo considerado imundo, não se limitou se dirigindo ao Eterno. Ele ousou estando em desgraça, enfermo e a beira da morte, a se aproximar ainda mais do seu Criador, algo que era inconcebível para aqueles de sua geração:
Job 42:5 Com os ouvidos eu ouvira falar de ti; mas agora te vêem os meus olhos.
Por isso e por muito outros detalhes a respeito do caráter de Jó, é que penso ser ele um modelo a ser seguido. Um modelo que nos ensina que mesmo que estejamos certos de nossa justiça, o mal pode nos abater. Mesmo conhecendo tanto sobre o Eterno, e nossos companheiros e família, devemos sempre almejar conhecer ainda mais. Mesmo nos sentindo plenos, felizes, com fé, riqueza, família e felicidade, entendermos que não podemos controlar nossas vidas com sacrifícios, não podemos garantir nosso futuro com as riquezas, e não podemos pensar que nossos entes queridos são eternos ou que viverão além de nossa partida.
Com Jó aprendemos que mesmo vivendo na desgraça aparente, podemos ter companheiros, pessoas que nos amam, ou até mesmo pessoas que nos odeiam, nosso estado não muda as pessoas a nossa volta, somente mostra quem elas realmente são. Aprendemos também a questionar e não pensar que tudo que entendíamos é o que realmente de fato. E o maios precioso de tudo, é que aprendemos que mesmo que estejamos no topo, ou no fundo do poço, quem mudou não foi o Eterno, fomos nós, e sempre podemos mudar para melhor.
Veja como a Palavra de Deus nos ensina sobre tal crescimento espiritual que podemos aprender com a vida deste Homem de Deus, chamado Jó:
Ainda que estivessem no meio dela estes três homens, Noé, Daniel e Jó, eles pela sua justiça livrariam apenas as suas almas, diz o Senhor DEUS.
Livro Teológico e Filosófico, mas não Histórico
O Livro de Jó não visa nos dar uma perspectiva histórica, mas sim teológica e principalmente filosófica. Ele demonstra que um homem, mesmo chegando ao topo em sua vida, a riqueza e felicidade plena, pode estar carente de algo mais, que não consegue perceber em seu estado de prosperidade em todas as áreas de sua vida.
Há quem busque no livro de Jó uma resposta para a justiça de Deus, para a maldade de Satanás e para entender o invisível, o desconhecido, mas creio que este não seja o objetivo real do livro. Seu objetivo vai muito além da questão de justiça, arrependimento, justificação, punição, restauração.
Após meditar muito neste livro maravilhoso, creio que nossa leitura deve estar focalizada naquilo que Jó, mesmo sendo próspero, conhecedor dos rituais, praticante e crente, ainda não tinha descoberto, e o que pode ser resumido em apenas um versículo em todo livro:
Job 42:5 Com os ouvidos eu ouvira falar de ti; mas agora te vêem os meus olhos.
Ou seja, o foco teológico e filosófico do Livro de Jó é um encontro face a face, entre ele e o Criador. Adonai não espera de nós somente viver em seus mandamentos, a obediência, o conhecimento, a declaração de fé, ele deseja um relacionamento de reconhecimento, face a face, conforme podemos ver em diversas outras referência bíblicas:
Gen. 32:30 Pelo que Jacó chamou ao lugar Peniel, dizendo: Porque tenho visto Deus face a face, e a minha vida foi preservada.
Ex. 33:11 E falava o Senhor a Moisés face a face, como qualquer fala com o seu amigo. Depois tornava Moisés ao arraial; mas o seu servidor, o mancebo Josué, filho de Num, não se apartava da tenda.
Juízes. 6:22 Vendo Gideão que era o anjo do Senhor, disse: Ai de mim, Senhor Deus! pois eu vi o anjo do Senhor face a face.
1 Cor. 13:12 Porque agora vemos como por espelho, em enigma, mas então veremos face a face; agora conheço em parte, mas então conhecerei plenamente, como também sou plenamente conhecido.
Espero que com este fundo histórico, geográfico e teológico, a sua leitura do Livro de Jó venha a ser uma experiência focada no relacionamento pessoal, exatamente como aquele que ainda estava faltando para este personagem bíblico, são estes os adoradores que YHWH está buscando, conforme no disse Yeshua:
João 4:23 Mas a hora vem, e agora é, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade; porque o Pai procura a tais que assim o adorem.
Desde Sião,
Miguel Nicolaevsky